sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

As Minhas Melhores Leituras de 2016


1. Marlon James – Breve História De Sete Assassinatos
2. Carlos Ruiz Zafón – O Labírinto Dos Espíritos
3. Lucia Berlin – Manual Para Mulheres De Limpeza
4. Don DeLillo – Submundo
5. Júlia Navarro – História De Um Canalha
6. Donna Tartt – A História Secreta
7. Javier Marias – Assim Começa O Mal
8. Alice Munro – A Vista De Castle Rock
9. Roslund & Thunberg – O Pai
10. Zia Haider Rahman – À Luz Do Que Sabemos
11. Kim Gordon – A Miúda Da Banda
12. Bruce Springsteen – Born To Run

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Os Melhores Discos do Ano 2016


Vivemos num tempo em que há cada vez menos artistas que são capazes de produzir um sentido que é apreensível por quase todos. Num tempo em que a cultura popular se encontra fragmentada e não produz efeitos sobre os comportamentos e a memória colectiva.

Ao nível cultural, vive-se cada vez mais em pequenos nichos que não se tocam entre si, mergulhados na imensidão do espaço digital, procurando, com ansiedade, a qualidade no meio de imensa quantidade. Com tamanha segmentação de estilos, gostos e subculturas, parece que caminhamos todos os dias para infinito.

Para as pessoas da minha geração, as mortes deste ano constituíram um forte abalo, senão mesmo a morte, da sua adolescência. 2016 foi um ano em que a morte pairou e vai deixar muitas saudades dos que viu partir: logo em Janeiro foi David Bowie, Prince em Abril, Leonard Cohen em Novembro e agora George Michael no dia de Natal. Claro que mais do que chorar a morte, devemos celebrar a vida mas…

Este ano, alguns dos discos que mais me impressionaram foram assombrados pela morte, como os álbuns de David Bowie e de Leonard Cohen, mas também de Nick Cave, cujo filho Arthur, de 15 anos, faleceu numa queda de um penhasco de 18 metros em Brighton, Inglaterra, ou do malogrado membro dos A Tribe Called Quest, Phife Dwag, que ainda participou na gravação do último disco e nos deixou aos 45 anos.

São discos com canções comoventes e dramáticas, mas ao mesmo tempo belas e esperançosas. No fundo, trata-se de ver tudo à volta a sucumbir, e mesmo assim, tentar dar algum sentido à vida, por muito difícil que seja, socorrendo-se sempre da sua arte.

Cá vai então a lista das minhas preferências musicais de 2016:

- Nick Cave & The Bad SeedsSkeleton Tree
- Elza SoaresA Mulher Do Fim Do Mundo
- David BowieBlackstar
- PJ HarveyThe Hope Six Demolition Project
- RadioheadA Moon Shaped Pool
- Leonard Cohen You Want It Darker
- Angel Olsen My Woman
- Kevin MorbySinging Saw
- Hope Sandoval & the Warm InventionsUntil The Hunter
- Iggy PopPost Pop Depression
- Heron Oblivion Heron Oblivion
- LambchopFlotus


Com uma menção honrosa destaco Anohni (“Hopelessness”), Savages (“Adore Life”), Cass McCombs (“Mangy Love”), Daughter (“Not To Disappear”), Warpaint (“Heads Up”), Car Seat Headrest (“Teens Of Denial”), Christine and the Queens (“Chaleur Humaine”), Michael Kiwanuka (“Love And Hate”), Tegan and Sara (“Love You To Death”) e Bon Iver (“22, A Million”).

Finalmente, guilty pleasures que também editaram no presente ano e que continuam a deliciar-me: The Kills (“Ash And Ice”), Suede (“Night Thoughts”), Tindersticks (“The Waiting Room”), James (“Girl At The End Of The World”), The Divine Comedy (“Foreverland”), Explosions In The Sky (“The Wilderness”) e Pixies (“Head Carrier”).

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Yrsa Sigurdardóttir – O Silêncio do Mar


Esta nova história da aclamada série de thrillers com a advogada Thóra Gudmundsdóttir no papel de protagonista, foi baseada em factos verídicos de grandes embarcações que apareceram no destino desprovidas de vida como o caso do Mary Celeste, um iate de luxo construído em 1872.

Neste livro trata-se de um iate de luxo chamado Lady K que chega a Reiquejavique sem a família e a tripulação que nele seguiam a bordo desde Lisboa. Ægir, a sua mulher Lára e as filhas gémeas de quatro anos Arna e Bylgja (os nomes dos personagens são típicos do seu país de origem, a Islândia) estavam entre esses passageiros bem como três elementos que compunham a tripulação: Halldor, Loftur e o capitão Thráinn. Caberá a Thóra, uma advogada com uma secretária (Bella) que faz mais downloads ilegais do que mostrar trabalho, que após ser contratada pelos pais de Ægir, tentará descobrir o que terá ocorrido. Em caso de terem morrido durante a viagem, os pais de Ægir pretendem assegurar que o seguro de vida do seu filho seja pago pois os mesmos pretendem que a neta de dois anos (Sigga Dogg) que ficou em terra continue aos seus cuidados.

A autora consegue manipular a percepção do leitor pois a narrativa divide-se entre a actualidade, vivida na capital islandesa, que acompanha a vida familiar e profissional de Thóra e o relato de todos os esforços no sentido de descobrir o que se terá passado e a viagem de barco, onde o leitor é posto à prova para tentar descobrir se a razão para os corpos que vão sendo encontrados em arcas congeladoras e aqueles que são deitados borda fora são causa humana ou um fenómeno sobrenatural.

A parte técnica não é descurada e são apresentados inúmeros procedimentos e conceitos ligados à navegação em alto-mar, como os coletes de mergulho BCD (Bouyancy Control Device) ou os sonares, aparelhos de detecção por meio de som que permitem a localização de submarinos.


Também devo destacar uma interessante leitura do estado da economia vivida na Islândia. E foi essa instabilidade financeira que fez com que o Lady K tenha mudado de donos e Ægir, membro da comissão liquidatária de um banco falido, entre em cena depois de um dos membros da tripulação ter partido uma perna não podendo assim assegurar os serviços a bordo. A viagem que deveria ser agradável e uma extensão das férias da família de Ægir transforma-se num pesadelo para quem teve por destino fazer este malfadado percurso.

Yrsa Sigurdardóttir sabe contar uma história com a sua escrita sóbria, inteligente e perspicaz mas também profundamente emocional. A descoberta do mistério que encerra aqueles personagens decorre devagar e partilhamos do medo que os tripulantes sentem naquele navio, bem como a angústia dos que os procuram.

Este mistério sobre o mar, Lisboa, a família, a fama, negócios obscuros e, como sempre, o mal e a conspiração do ódio, acaba por ter uma explicação realista e bastante convincente (e nada previsível), apesar de inicialmente estarmos tentados a evocar uma explicação sobrenatural para os factos. O ambiente sombrio, a investigação profunda e um desfecho espectacular, conferem uma elevada experiência ao nível do suspense a este excelente thriller.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

8 Séries de Televisão

Por todo o mundo, a televisão está a reinventar-se. As séries televisivas de qualidade são consideradas um dos formatos narrativos mais interessantes da actualidade. As características principais destas séries são uma produção opulenta equiparável à cinematográfica, actores de primeira qualidade, enredos complexos e arcos narrativos que se desenvolvem ao longo de todos os episódios. As produções norte-americanas continuam a liderar nesta área. Actualmente, a Netflix já é líder destacada, conseguindo-o em apenas quatro anos no sector de produção de séries exclusivas. Apresento de seguida oito das séries de televisão que acompanhei nos dois últimos meses e que valeram bem a pena o tempo perdido (nunca ultrapassando dois a três dias por temporada).


1 - “The OA”, é precisamente uma das mais recentes séries da Netflix. Inicialmente parece que estamos perante uma nova “Stranger Things”, mas é bastante diferente. Trata-se de um drama com contornos paranormais. Composta por oito episódios, conta-nos a história de uma jovem cega que desaparece aos vinte anos e que reaparece sete anos depois. O seu nome é Prairie Johnson (Brit Marling, que eu já tinha adorado no filme “Another Earth”), conhecida pela sigla OA (“I’m the OA” - Original Angel), e a cegueira fazia parte de si quando desapareceu, mas já não faz. A visão restaurada é apenas uma das diferenças desta jovem misteriosa que nos vai enfeitiçar. Episódio a episódio, Prairie vai contando o que lhe aconteceu, e cada revelação é mais chocante e esquisita do que a anterior. Curioso também o pacto entre os dois protagonistas logo no primeiro episódio e a referência à sua origem: o magnífico Strangers On A Train, filme de 1951, realizado por Alfred Hitchcock.

2 - “Westworld”, combina ficção científica, drama, mistério e western! A criação é da HBO e cruza vários géneros com uma abordagem completamente nova da clonagem humana e das relações entre os seres humanos e a inteligência artificial. “Westworld” é a concretização da visão do Dr. Ford (Sir Anthony Hopkins), criador de tudo o que se vê no parque futurista que serve de cenário à série. Genericamente trata-se de um parque pensado para concretizar os sonhos dos mais afortunados, sem quaisquer limites. Matar, violar, torturar. Tudo está à disposição dos que entrarem neste mundo paralelo.

3 - “Black Mirror” renasceu em 2016 pela Netflix depois de duas temporadas (em 2011 e 2013, com apenas três episódios cada) desenvolvidas para o Channel 4 britânico. Logo na sua estreia, na temporada 1, primeiro episódio, The National Anthem, uma princesa inglesa é raptada e os raptores limitam-se a exigir que o primeiro ministro tenha relações sexuais com um porco! Este ano, a série regressou com a terceira temporada (6 episódios). Uma particularidade desta série é que em cada episódio há novas histórias independentes. Trata-se de ficção científica mas com muitas semelhanças com a realidade. Tudo parece (quase) normal e há apenas pequenos pormenores que fogem ao que todos conhecemos. Por vezes, até parece que a realidade já terá ultrapassado a ficção. A reflexão sobre o mundo moderno está presente, abrindo-nos os olhos para a influência da tecnologia nas nossas vidas e para o mundo assustador em que todos vivemos sem saber. A tecnologia transformou todos os aspectos da nossa vida e isso pode não ser positivo e são mesmo muitos os espelhos negros de “Black Mirror”. Para dar alguns exemplos, a série conta histórias como a de uma sociedade em que todas as pessoas são sujeitas a um sistema de ratings — em que basta a perda de uma estrela para que se perca a oportunidade de aceder a determinados serviços —, a de um jogo de realidade virtual que consegue interagir com as nossas memórias ou a de um militar cuja visão é trabalhada para que o inimigo seja visto como um monstro.

4 - “Queen Of The South” é uma série sobre narcotráfico protagonizada pela brasileira Alice Braga (sobrinha da actriz brasileira Sónia Braga) e pelo português Joaquim de Almeida (como Don Epifanio Vargas, líder do cartel Vargas e político corrupto). Enquanto não chega a terceira temporada da série Narcos da Netflix, o filão sobre o universo do narcotráfico, continua a ser explorado e tem mais um formato de ficção baseado na obra com o mesmo nome, que li recentemente, do jornalista espanhol Arturo Pérez-Reverte, e conta a história de Teresa Mendoza, uma jovem que se vê transportada para o submundo dos cartéis de droga mexicanos.


5 - “Fleabag” é cómica, fofa, nonsense, triste e brutal. Apesar da curta duração dos seus episódios (cerca de 25 minutos) provoca um turbilhão de emoções. Fleabag (Phoebe Waller-Bridge) é uma jovem adulta que enfrenta problemas quase universais sob o ponto de vista feminino: problemas de relacionamento, conflitos familiares, frustração sexual e profissional. Uma mulher moderna que vive em Londres, a tentar curar uma ferida enquanto recusa ajuda daqueles à sua volta, mantendo a sua intimidade o mais reservada possível, mas que está constantemente em interacção com o espectador, olhando-o directamente, com comentários à parte das respectivas cenas. Por vezes, fez-me recordar Californication e mesmo Secret Diary of a Call Girl da Belle de Jour Billie Piper. Um manual de instruções para compreender a mulher que se diz moderna, não recomendado para ver em família…


6 - “The Young Pope”, é outra série hilariante onde podemos ver um papa a fumar desenfreadamente, a beber Cola Light ou a despertar com um iPhone. No início da série, Jude Law é Lenny Belardo, o futuro Papa Pio XIII (ficcional) e Diane Keaton é a Irmã Maria, que o ajudou a criar desde tenra idade num orfanato. Estamos em 1998 e será ele a tomar as rédeas do Vaticano. É um Papa jovem, muito mais jovem do que os seus antecessores, e os cardeais esperam controlá-lo a partir de dentro, fazendo dele um fantoche público enquanto continuam a reinar nos bastidores. Mas não é isto que acontece. O novo líder da Santa Sé já conseguiu o que queria, chegar ao poder, e agora vai revolucionar a Igreja como a conhecemos. O realizador italiano Paolo Sorrentino (que dirigiu o belíssimo La Grande Bellezza, em 2013) pegou na personalidade do actual Papa, Francisco, e virou-a do avesso para construir um sacerdote diferente de todos os que já conhecemos.

7 - “Medici: Masters Of Florence”, com carimbo da Netflix, dá a conhecer a dinastia Medici, a partir do século XV. O principal protagonista chama-se Cosimo e herdou o Banco dos Medici, após o seu criador, o seu pai Giovanni (Dustin Hoffman), ter sido misteriosamente envenenado em 1429. A partir de flashbacks de há 20 anos atrás, conhecemos a Florença da época e a relação entre Giovanni e os seus dois filhos, Cosimo e Lorenzo e acompanhamos a criação do primeiro grande banco europeu.

8 - “The Crown”, outra série da Netflix que retrata de forma exemplar os primeiros anos de reinado de Isabel II. A história começa em 1947, ainda no reinado do seu pai Jorge VI, quando este descobre e mantém em segredo que tem uma doença terminal. A primeira temporada termina no final da primeira década de reinado de Isabel II. Durante este período temos a possibilidade de rever algumas das datas mais importantes da sua vida e somos tentados a parar a visualização dos episódios para confirmar e investigar alguns factos na internet. Os desempenhos são notáveis, desde Clare Foy (como rainha Isabel II) a John Lithgow (como Sir Winston Churchill).




domingo, 25 de dezembro de 2016

Hello, My Son


Hello, my son
Welcome to earth
You may not be my last
But you'll always be my first
Wish I'd done this ten years ago
But how could I know
How could I know
That the answer was so easy
I've been told you measure a man
By how much he loves
When I hold you
I treasure each moment I spend
On earth, under heave above
Grandfather always said God's a fisherman
And now I know the reason why

And if some times daddy has to go away
Please don't think it means I don't love you
Oh, how I wish I could be there everyday
Cause when I'm gone it makes me so sad and blue
And holding you is the greatest love I've ever known
When I get home it breaks my heart
Seeing how much you've grown all on your own

Hearing you cry makes me cry
It made me cry
Hearing me cry
A thousand miles away
Every cry
(greatest love I've ever known)
(ever known)


sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Sons de Inverno


1. Hope Sandoval ft. Kurt VileLet Me Get There
2. WarpaintNew Song
3. Kevin MorbyI Have Been to the Mountain
4. MitskiYour Best American Girl
5. The 1975Somebody Else
6. PJ HarveyThe Wheel
7. Hamilton Leithauser + RostamA 1000 Times
8. PorchesBe Apart
9. Bat for LashesSunday Love
10. The Last Shadow PuppetsEverything You've Come To Expect
11. WhitneyNo Woman
12. Rag‘N’BoneHuman
13. Jenny Hval Conceptual Romance
14. Car Seat HeadrestFill in the Blank
15. Bon Iver22 (OVER S∞∞N)
16. SavagesAdore
17. A Tribe Called Quest We The People....
18. Rae Sremmurd ft. Gucci ManeBlack Beatles
19. Frank OceanIvy
20. RadioheadDaydreaming

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Cinema do Mundo

Os últimos filmes que vi não seguem a fórmula comercial de Hollywood, não têm a preocupação de agradar ao público em geral pois apelam a uma estética alternativa, por vezes abusando do bizarro, de sexo ou violência, com personagens estranhos e argumentos bastante originais:


Elle, de Paul Verhoeven – França, Alemanha, Bélgica (2016)

Esta longa-metragem vive claramente do desempenho da actriz principal, Isabelle Hupert, por muito que se reconheça a força idiossincrática do realizador de “Basic Instinct” e representa uma personagem em martírio ou em punição, com disponibilidade para o sofrimento (já vista anteriormente em “La Pianiste” filme de 2001 de Michael Haneke mas muito diferente do excelente filme do ano seguinte “8 Femmes”). A sua personagem, gestora de uma empresa de videojogos, aproxima-se surpreendentemente de uma humilhação masoquista num ambiente pouco convencional: tem um pai preso (que se suicida quando sabe que ela pretende visitá-lo); a mãe anda metida com um rapazola e a sua saúde vai-se deteriorando; o filho está prestes a dar-lhe um neto mas de raça negra; ela própria encontra-se divorciada e com uma vida íntima atribulada que inclui masturbação e figuras natalícias e envolvimento com o marido da melhor amiga. Para complicar ainda mais, é assaltada e violada na sua própria casa mas tem uma estranha reacção… Hupert consegue uma singular e quase paradoxal mescla de intensidade e apatia, quando não mesmo abandono, visível num rosto que é capaz de ter uma expressão fulminante com um mínimo de recursos fisionómicos, a jogar às escondidas psicológicas com o espectador. Brilhante!




Les Innocents, de Anne Fontaine – Polónia, França (2016)

Este filme passa-se num convento logo após o fim da II Guerra Mundial, é inspirado na história real vivida por uma jovem médica da Cruz Vermelha Francesa, Mathilde Beaulieu (a encantadora Lou de Laâge) que é chamada por uma freira de um convento de beneditinas onde uma rapariga está a dar à luz. Pensa tratar-se de uma jovem da vila que lá foi acolhida, mas acaba por lhe ser revelado que várias das irmãs foram violadas por soldados soviéticos, ficaram grávidas e não irão abortar. As freiras pedem-lhe encarecidamente, ajuda e sigilo, perdidas entre o pecado, a culpa, a sua fé e a atitude de encobrimento da Madre Superior. Matilde é comunista, filha de comunistas e ateia, e assim confronta-se com o mundo da fé, da reclusão, da devoção total e do perdão que é o das freiras aumentando a complexidade emocional, ética, psicológica e espiritual da situação das protagonistas. A virtude deste filme, interpretado e realizado sempre por mulheres, e que também me fez recordar o filme polaco “Ida”, de 2013, realizado por Paweł Pawlikowski, é a de levar o espectador a uma reflexão profunda sobre os limites da religião.

 



Miss Violence, de Alexandros Avranas – Grécia (2013)

Estranhamente esta película só estreou nos cinemas portugueses em Novembro de 2016. Trata-se de mais um filme perturbador, gerador de emoções e de enorme violência, apesar de se tratar de violência mais sugerida do que visível (a este nível recordou-me outro filme grego também memorável de 2009: “Kynodontas”, de Yorgos Lanthimos). Nos primeiros trinta ou quarenta minutos somos confrontados com cenas de aparente normalidade: uma simplicíssima festa de anos, em que só irmãos, mãe e avós de uma menina angelical de 11 anos estão presentes até que essa mesma menina de rosto apático esgueira-se pela varanda da sala, atira-se e morre estatelada no chão da rua! Ao acompanhar o luto da família e o seu quotidiano, e à medida que vamos adivinhando o que está a acontecer com aquela família, é impossível não ficarmos revoltados e indignados e às tantas parece que levamos com um murro no estômago. Claro que isto só acontecerá a quem conseguir ver o filme até ao fim…




Saul Fia, de László Nemes – Hungria (2015)

Mais uma história terrível ainda com a II Guerra Mundial como pano de fundo, que acompanha constantemente o dia-a-dia de um Sonderkommando de um campo de concentração, ou seja, de um prisioneiro (Saul) condenado pelos alemães a cumprir a horrível tarefa de ajudar os deportados escolhidos para morrer a despirem-se e a entrarem nas câmaras de gás, depois levar todos os cadáveres, corpos misturados que se tinham debatido, para os fornos crematórios. A proposta estética aplicada com rigor pelo realizador baseia-se quase sempre no rosto de Saul, insensível e impiedoso, ou naquilo que ele está a ver, ou seja, os horrores da guerra são apresentados sob o olhar de quem a vivencia, dia após dia, o que é ainda impulsionado pelo formato do ecrã reduzido, que amplia a sensação de aprisionamento naquela realidade. Trata-se de uma experimentação visual que nos induz toda uma série de sentimentos negativos através do simples poder da sugestão, sem imagens explicitas de carnificina. A primeira vez em que ouvi o termo associado a estes “comandos especiais”, que também eram exterminados ao fim de algum tempo de trabalho, foi com a leitura de “Sonderkommando” de Shlomo Venezia e mais tarde “A Zona de Interesse” de Martin Amis e também naquele que provavelmente será o documentário mais completo sobre o holocausto, realizado por Claude Lanzmann em 2005, “Shoah”, com uma duração superior a 9 horas.




El Clan, de Pablo Trapero – Argentina, Espanha (2015)

Baseia-se na história verídica da família Puccio que, no começo da década de 1980, sequestrava, escondia na própria casa e, após pedir elevados resgates, matava os seus reféns em Buenos Aires. O patriarca e mentor dos crimes desta família aparentemente pacata, Arquímedes Puccio (representado por Guillermo Francella, já nosso conhecido do excelente filme argentino de 2009, “El Secreto de Sus Ojos”), era um agente do serviço de inteligência da mais recente ditadura argentina (1976 — 1983), que se aproveitava da experiência adquirida nas sombras do poder e da influência que os militares ainda gozavam nos primeiros tempos de democracia para praticar determinados crimes. Apesar de no filme a conclusão óbvia é que o crime não compensa e o sonho de uma vida luxuosa terminar para toda a família, Arquímedes nunca chega a confessar os seus crimes.




Under Sandet, de Martin Zandvliet – Dinamarca, Alemanha (2015)

Mais uma visão diferente da II Guerra Mundial, que nos conta a história de um grupo de jovens prisioneiros de guerra nazis que com as próprias mãos foram forçados a retirar 2 milhões de minas terrestres das praias dinamarquesas. Trata-se de olhar sobre a crueldade e o ódio pós-guerra a todos os alemães, que atingiu o seu auge após a morte de Hitler e com as revelações dos campos de extermínio. Logo na primeira cena, um soldado alemão que carrega uma bandeira dinamarquesa é violentamente atacado. É um filme simples, realista, triste, com excelentes protagonistas e um cenário que permite obter uma fotografia impecável.




Julieta, de Pedro Almodóvar – Espanha (2016)

Apesar de Almodóvar já ter feito melhor, gostei bastante deste seu último filme. Tem um óptimo guião, uma história bem contada (a partir de três contos de “Fugas”, antologia da Nobel da Literatura Alice Munro), emocionalmente fortíssimo sem ser lamechas, direcção de actores e interpretação impecáveis e uma estética visual e musical superiores. Julieta é uma mulher de meia-idade que está prestes a mudar-se de Madrid para Portugal, para acompanhar o seu namorado Lorenzo mas tem um encontro fortuito na rua com Beatriz, uma antiga amiga da sua filha Antía, o que a leva a desistir daquela mudança. Resolve então voltar para o antigo prédio em que vivia, também em Madrid, e lá começa a escrever uma carta para a filha relembrando o passado entre as duas. Aquilo que menos gostei foi do final do filme pois deixou-me uma sensação de ter ficado incompleto.




Califórnia, de Marina Person – Brasil (2015)

Filme sobre adolescentes e as suas dores de crescimento, bem patentes logo nos primeiros segundos do filme. Decorre no Brasil no início dos anos 80 e conta a história de Estela, uma adolescente de 14 anos que vive os conflitos típicos da idade, de identidade, amizade e amor (é vista a ler “Sexus” de Henry Miller) e que idolatra o seu tio Carlos, jornalista musical que vive nos Estados Unidos, mas também seu conselheiro e mentor. Por isso faz um acordo com os seus pais: em vez da fazerem uma festa de aniversário pelos seus 15 anos, quer fazer uma viagem aos Estados Unidos. Mas os sonhos dela caem por terra quando Carlos, doente e debilitado, opta por voltar para o Brasil… O filme é um autêntico hino aos anos 80 e a toda a sua identidade cultural: a MTV começa a transmitir videoclips 24 horas por dia; no mural do quarto de Estela há posters dos Beatles e de David Bowie (que ela idolatra) e um cartaz do filme “Blood Simple” de 1984 dos irmãos Coen; não faltam os gravadores de cassetes da época e as discotecas com bolas de espelhos; numa visita a uma loja de discos ouve-se, por exemplo, The Cure, New Order, The Smiths e ao longo do filme Joy Division, Siouxsie & The Banshees, Cocteau Twins e os brasileiros Kid Abelha. O tio Carlos trouxe-lhe dos Estados Unidos uma t-shirt do Bowie e um álbum dos Echo & The Bunnymen, “Ocean Rain” (recordo-me que quando este disco saiu vinha acompanhado da frase “o melhor álbum de sempre”) e conta-lhe pormenores de uma entrevista que fez a Michael Stipe (dos R.E.M.). Para reforçar o sentimento nostálgico do filme, também aqui a personagem principal tem um amigo que lhe grava cassetes, imita o penteado e o eyeliner de Robert Smith e até lhe empresta “O Estrangeiro” de Albert Camus (livro que inspirou a canção “Killing An Arab” dos The Cure). Enfim, um filme essencialmente para revivalistas!