terça-feira, 30 de dezembro de 2014

As Minhas Melhores Leituras de 2014


1. Donna Tartt – O Pintassilgo
2. Eleanor Catton – Os Luminares
3. José Paulo Cavalcanti Filho – Fernando Pessoa – Uma Quase-Autobiografia
4. Philip Roth – O Complexo de Portnoy
5. José Ferreira Bomtempo – No Reino das Anjos
6. John Steinbeck – A Leste do Paraíso
7. José Luís Peixoto – Galveias
8. Haruki Murakami – A Peregrinação do Rapaz Sem Cor
9. Paul Theroux – O Grande Bazar Ferroviário
10. Javier Marias – Coração Tão Branco
11. Ernest Hemingway – Por Quem Os Sinos Dobram
12. David Lodge – Um Homem de Partes

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

FNAC Weekend (Guitarras & Autógrafos)


The Legendary Tigerman – True

No último fim-de-semana visitei a FNAC em duas ocasiões. No sábado assisti à apresentação intimista daquele que considero ser o melhor álbum português de 2014: “True” do Legendary Tigerman. Paulo Furtado, que já me tinha surpreendido com o “Femina” e as suas convidadas femininas, como habitualmente nestas ocasiões esteve menos de 30 minutos em palco e limitou-se a interpretar seis temas: Love Ride; Wild Beast; Do Come Home; My Heart, Safe At Home; Twenty Flight Rock e Rainy Nights (não tocou o meu tema predilecto do disco, Is My Body Dead?). Blues-rock e lamentos folk onde abunda o tom negro são a marca deste homem-orquestra genial.



José Luís Peixoto – Galveias

No dia seguinte assisti à apresentação de “Galveias”, o novo romance de José Luís Peixoto. O nome do livro é uma homenagem à vila alentejana do concelho de Ponte de Sor, distrito de Portalegre, onde o escritor nasceu, há 40 anos, e pretende defender "a realidade do interior de Portugal, onde há problemas bastante graves". Por coincidência tinha acabado de ler na semana passada este livro, que evoca uma realidade que se encontra um pouco por todo o nosso país, mas que na minha opinião não alcança a sua obra-prima, “Livro”.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Sons de Outono


- Future Islands - Singles
- Sharon Van Etten - Are We There
- Perfume Genius - Too Bright
- Swans - To Be Kind
- Caribou - Our Love
- Elbow - The Take Off and Landing of Everything
- Temples - Sun Structures
- Leonard Cohen - Popular Problems
- St. Vincent - St. Vincent
- Ariel Pink - Pom Pom
- The War on Drugs - Lost in the Dream
- Banda do Mar - Banda do Mar

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

João Ricardo Pedro - O Teu Rosto Será O Último


O Teu Rosto Será O Último” é claramente o meu livro preferido dos já laureados pelo Prémio Leya (considerando “O Rastro do Jaguar”, “O Olho de Hertzog”, “Debaixo de Algum Céu” e “Uma Outra Voz”, e excluindo o recentíssimo e ainda não lido “O Meu Irmão”). É um romance com uma capa magnífica, um título apelativo, sobre a origem de destinos, repleto de questões pertinentes pensadas ao detalhe que nos levam a um número infinito de interrogações apoiado em imagens, citações e palavras fortes para descrever uma perturbadora e cruel realidade portuguesa.

O enquadramento da narrativa na História recente portuguesa (de 1934 a 1974) está enraizada num cenário muito português onde a descrição de acontecimentos, hábitos e costumes, não só lhe conferem realismo, como também permitem uma certa identificação com as personagens, nomeadamente no que diz respeito à vida no interior do país.

O enredo até é simples, por vezes deixando-nos apenas seguir superficialmente a vida de três gerações de uma família e dos que a rodeiam. Conta a história de Duarte, um jovem talentoso que se revolta contra o seu próprio talento de pianista, do seu pai António Mendes, marcado pela guerra colonial e do seu avô médico Augusto Mendes, através de pequenos contos que se vão ligando como uma manta de retalhos que nunca se completará: a obstipação do Amável, as habilidades dos ciclistas da Volta, a trombose do avô Augusto, a data da morte do gato Joseph, os olhos do gato Ezequiel, a reacção do amigo Índio ao ouvir a sonata 21 de Beethoven, os tremeliques do barbeiro Alcino, a história da caneta Mont Blanc, a “madrinha de guerra” ou a relação com a professora de canto eslovaca.

Pontos de interesse: a ligação à música (a oferta do piano, Mozart, Beethoven, Bach, Hindemith e toda a nomenclatura musical utilizada), à arte (o delicioso pormenor da misteriosa obra de 1559, “A Luta Entre o Carnaval e a Quaresma”, do pintor flamengo Pieter Bruegel - reproduzida abaixo), ao cinema (o filme She Wore a Yellow Ribbon), a magia das mais de quarenta cartas de Policarpo e um poema de Camões. No entanto, o autor da obra parece abusar de palavrões e de alguma pontuação e também não compreendo a necessidade daquela extensa e monótona lista de compras de supermercado apresentada na página 130…

João Ricardo Pedro escreve de forma simples e natural, com avanços e recuos no tempo. As descrições das personagens, dos lugares e das situações são cheias de vida, conferindo uma grande satisfação ao longo das páginas. A leitura é envolvente mas requer a atenção do leitor. Apesar de por vezes o texto parecer desconexo, com o decorrer da leitura, percebemos que (quase) tudo se vai conjugando e que o enredo se torna melancolicamente belo.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Humor em Economia

Explicar o amor com as curvas da oferta e da procura


O jornal de informação financeira Financial Times, na sua edição online, apresenta um consultório eco-sentimental, uma secção de perguntas e respostas designada "Querido Economista". Num certo dia publicaram isto:

"Querido Economista: Se eu reduzir a oferta o meu preço pode subir?

Tive uma relação à distância com a minha ex-namorada durante seis meses, eu estava no Bangladesh e ela na Inglaterra. Inicialmente, era tudo maravilhoso, mas pouco depois a curva da procura da minha namorada em relação a mim parecia estar a deslocar-se lentamente para a esquerda. Paranóico, comecei então a prestar-lhe mais atenção, pelo que, desta forma, estava a deslocar a minha curva da oferta para a direita. Consequentemente, o meu preço caiu. Rompemos, mas convenci-a a voltar para mim.

Voltámos à normalidade e falávamos durante muitas horas todos os dias. Decidi então tentar mudar-me e consegui um lugar para continuar os meus estudos de Economia no Reino Unido. Entretanto ela começou a agir de forma muito estranha até que, um destes dias, me disse que já não gostava de mim e rompeu definitivamente comigo.

Continuamos a ser amigos e a falar pelo telefone de vez em quando, mas ela vai inventando desculpas que não me parecem demasiado racionais. Penso que ela está confusa e que poderia voltar para mim, se eu agir da forma certa. Devo reduzir drasticamente a oferta e esperar que, desta forma, o meu preço suba? Gosto muito dela. A minha curva da procura por ela é perfeitamente inelástica.

Anon, Bangladesh".


Esta é a resposta que recebe do seu consultor eco-sentimental:

"Estimado Anon:

Julgo que deveríamos esquecer as curvas da oferta e da procura e tratar este assunto como um problema de informação imperfeita. Antes de mudar de continente, precisas de saber o que a tua ex-namorada pensa.

Pensas que o teu comportamento desesperado foi a razão da mudança de comportamento dela – provavelmente isso nada ajudou. Mesmo que consigas salvar esta relação, se calhar a única coisa que conseguirás é lavar pratos o resto da vida.

Lembra-te que ela reduziu a procura antes de tu aumentares a oferta. Porquê? Duas hipóteses: ela estava de facto preocupada pelo tipo de relação à distância ou então encontrou alguém que prefere em relação a ti. Compara cada uma destas hipóteses com o facto de que, quando disseste que voltavas a Inglaterra, ela deixou-te. É óbvio que a vossa relação acabou. E sim, deves “reduzir drasticamente a oferta” a esta rapariga, mas não porque ainda tenhas esperança de a ter de volta”.


Não acredita que um jornal tão sério como o Financial Times publique este tipo de artigo? Pois pode verificar aqui.


quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Leituras de Outubro


Para este mês de Outubro seleccionei os títulos seguintes:

- Donna TarttO Pintassilgo
- Paul TherouxO Grande Bazar Ferroviário
- Julia NavarroA Bíblia de Barro
- João TordoBiografia Involuntária dos Amantes
- Amin MaaloufAs Cruzadas Vistas Pelos Árabes

Dia Mundial da Música

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Teste ao QI


Eis um estudo interessante e inédito: a comparação das notas dos exames de acesso à universidade nos Estados Unidos com os gostos musicais dos estudantes (informação retirada dos perfis do Facebook). Conclusão: quem ouve artistas como Beyoncé, Lil Wayne, T.I. ou Jay-Z ou géneros musicais como reggaeton ou pop é menos inteligente do que quem ouve Beethoven, Radiohead, Sufjan Stevens, Bob Dylan, The Beatles ou U2 (ganda Coiote).

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

No Reino da Incompetência


A propósito da BCE (Bolsa de Contratação de Escola) e de NC apetece-me citar uma passagem de Macbeth de Shakespeare: 

- “Não tenho palavras; a minha voz está na minha espada”.

sábado, 20 de setembro de 2014

Jo Nesbø


Acabei de ler o sexto e último livro publicado em Portugal pelo escritor norueguês Jo Nesbø, sem dúvida um dos meus escritores de policiais preferido da actualidade. Os cinco títulos dedicados ao inspector Harry Hole desenvolvem histórias bastante intensas, repletas de suspense e acção e por vezes de uma violência atroz. São policiais cheios de personagens cativantes, com um enredo construído de forma magistral, ao qual se juntam várias pitadas de mistério, que nos levam a ficar agarradíssimos à história. Harry Hole, com quem facilmente se cria empatia, trabalha na força policial de Oslo, tem poucos amigos e métodos muito pouco ortodoxos…

Caçadores de Cabeças” (“Hodejegerne”, 2008) é igualmente um policial, mas independente da série do inspector Harry Hole. Neste caso, o “herói” chama-se Roger Brown, e o seu emprego é procurar talentos para colocar em empresas de sucesso. Mas é também um sedutor ladrão de obras de arte. E mais não conto... Foi adaptado ao cinema em 2011 de uma forma que não envergonha o autor da obra: diversão inteligente e elegante com bons actores, num nível de produção industrial que nada fica a dever à dos países anglo-saxónicos.

De lamentar a impossibilidade de ler toda a bibliografia relativa a Harry Hole por ordem cronológica de publicação, especialmente tendo em conta a continuidade de certos factos e histórias por vários volumes. Das 10 obras que já foram publicadas na Noruega, apenas cinco foram publicadas em Portugal (do terceiro ao sétimo volume), com a agravante de não serem publicadas por essa ordem (LeYa, como é que isto se explica?):

1. Flaggermusmannen (1997)
2. Kakerlakkene (1998)
3. Rødstrupe (2000) – “O Pássaro de Peito Vermelho
4. Sorgenfri (2002) – “Vingança a Sangue-Frio
5. Marekors (2003) – “A Estrela do Diabo
6. Frelseren (2005) – “O Redentor
7. Snømannen (2007) – “O Boneco de Neve
8. Panserhjerte (2009)
9. Gjenferd (2011)
10. Politi (2013)

Filho de uma bibliotecária, Jo Nesbø além de escritor, também é economista, ex-jogador de futebol profissional, compositor e músico de uma banda de pop/rock chamada Di Derre. Por curiosidade tentei ouvir a sua discografia mas não consegui chegar ao fim: a língua norueguesa não me cativou e a parte instrumental não prima pela originalidade…

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Many Happy Returns


Ok, mais um aniversário mas continuo na minha: nunca tive outra idade senão a do coração. Obrigado Paula (pelo cake design…).

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Ildefonso Falcones - A Rainha Descalça


“Nunca confies na palavra de um cigano”

Depois de ter lido A Catedral do Mar (2006) e A Mão de Fátima (2009), adorei a leitura da (também) extensa obra que o espanhol Ildefonso Falcones acaba de publicar: A Rainha Descalça.

Neste magnífico romance histórico, onde sobressai essencialmente a importância da família, a amizade e a honra, fui cativado pelo tema - a raça e cultura cigana - e pelo ambiente: a acção decorre de 1748 a 1754, principalmente nas cidades de Sevilha e Madrid (mas a pequena vila alentejana de Barrancos também é palco da história). Trata-se de uma época onde subsistem a escravatura, um enorme fervor religioso e a guerra entre Espanha e Inglaterra. Além disso, o autor exibe um conhecimento profundo deste período do reinado de Fernando VI (casado com a portuguesa Maria Bárbara de Bragança) e da Inquisição e descreve com mestria todo um cenário que inclui bailes, nobres, vilões, preconceito, intolerância, miséria, crueldade, amores sofridos e vinganças.

Tudo começa em Janeiro de 1748 com o desembarque de uma mulher negra de 25 anos (Caridad) em Cádis, que deixou um passado de escravatura em Cuba, numa plantação de tabaco. O seu amo morreu durante a viagem mas concedeu-lhe a liberdade em testamento. Ao deambular por Sevilha, pois não sabe o que fazer com a sua liberdade, e após ter sido abusada sexualmente por um oleiro, o cigano Melchor Veja, contrabandista de tabaco, delicia-se a ouvi-la cantar e leva-a para o seu bairro em Triana onde lhe apresenta a sua neta de catorze anos, Milagros. De imediato uma amizade profunda é estabelecida entre as duas.

Caridad e Milagros são as personagens centrais, com maneiras de ser bem definidas e diferenciadas e por isso demorei a perceber qual era a “Rainha Descalça”. Milagros, tal como a sua mãe, é uma mulher cigana, orgulhosa, inconformada, rebelde e cheia de coragem. Caridad, escrava durante toda a sua vida, mãe de dois filhos que por circunstâncias da vida não estão ao seu lado, está habituada a ser abusada, a não olhar nos olhos de ninguém, a servidão está enraizada no seu ser.

Sempre juntas, Caridad e Milagros tornam-se confidentes e são inseparáveis. A ex-escrava passa a trabalhar com o tabaco contrabandeado por Melchor e percebe que está a desenvolver novos sentimentos pelo cigano que a acolheu.

Outras personagens da comunidade cigana vão surgindo: Ana Vega, mãe de Milagros; José Carmona, pai de Milagros; “Conde” Rafael Garcia, patriarca da família Garcia, odiada pelos Vega por terem sido responsáveis pela condenação de Melchor a 10 anos de trabalhos forçados nas galés do rei; Reyes, a “Trianeira”, mulher do “Conde”; Pedro Garcia, neto do “Conde”, futuro marido de Milagros e Alejandro Vargas, a quem o pai de Milagros prometeu casamento com a filha.

Em 1749 dá-se a grande rusga protagonizada pelo exército real, convertendo todos os ciganos em proscritos, tendo como objectivo eliminar a raça. Cerca de 130 famílias ciganas foram presas em Sevilha durante o mês de julho. Os familiares de Milagros foram todos presos. Só Milagros escapou. Caridad teve ajuda do religioso frei Joaquin, que a colocou temporariamente em casa de pescadores. Mais tarde, Milagros, Caridad e uma cigana anciã fogem para Portugal (Barrancos).

Pouco tempo depois, alguns ciganos foram libertados. Nem nas prisões os quiseram (“não valiam o que comiam”), por isso foram postos em liberdade desde que provassem que eram casados pela igreja e que seguiam os seus princípios. Ana não foi libertada por apelar constantemente à revolta das ciganas.

Contra a vontade da familia, Milagros casa com Pedro Garcia provocando a ira de Ana e Melchor. Este casamento foi muito incentivado pelo "Conde" e pela "Trianeira" pois viram na voz de Milagros uma forma de ganhar muito dinheiro. Efectivamente, Milagros começou a ter muito sucesso e em breve seria convidada para actuar em Madrid, cidade que conquistou em muito pouco tempo. No entanto, Pedro Garcia é que ficava com todo o dinheiro obtido nas actuações da mulher e com ele levava uma vida boémia, dormindo constantemente com outras mulheres.

Os acontecimentos vão-se sucedendo: a prisão de Caridad durante dois anos, o surgimento de Nicolasa, Herminia e do jovem Martín, o sucesso de Milagros nas comédias de Madrid, a perda da virgindade de Milagros da forma habitual na comunidade cigana, o sequestro de Melchor e consequente fuga, a queda em desgraça de Milagros e, finalmente, o regresso dos quatro personagens (Melchor, Caridad, Milagros e do frei Joaquin) a Triana onde se irá dar o desfecho da história.

Ildefonso Falcones revela uma capacidade extraordinária de nos transportar para outro tempo e permite-nos conhecer um pouco melhor a História de Espanha. Emociona pela descrição cruel da realidade que as pessoas viviam numa época de intolerância. No primeiro livro, apresentou-nos uma história de miséria e servidão, de um homem do povo, Arnau, na Barcelona do século XIV; no segundo livro, acompanhamos Hernando num conflito entre muçulmanos e cristãos na Espanha do século XVI e agora, neste terceiro título, descreve com minúcia a forma de viver do povo cigano, bastante diferente da forma de viver dos “gadjé”, em pleno século XVIII. “A Rainha Descalça” é a sua obra mais profunda, mais triste, mais melancólica, com uma quase total ausência de momentos de alegria e contentamento, onde aflição, mágoa e angústia, envolvem o leitor e as próprias personagens nas canções repletas de lamentos e amarguras (queixa de galé).

domingo, 20 de julho de 2014

O Informático

Um informático está numa ilha deserta há 10 anos, depois de um naufrágio.

Certo dia avista um ponto brilhante no horizonte e começa a segui-lo com o olhar.

"Não é um navio", pensa o nosso herói.

E o ponto aproxima-se. "Não é uma barcaça".

E cada vez o vulto estava mais perto! "Não é uma jangada!?!".

E eis que das águas emerge uma loiraça, com fato de mergulho!

A loiraça dirige-se a ele e pergunta:

- Há quanto tempo não fumas um cigarro?

- Há 10 anos!

Ela abre um bolso interior do seu fato impermeável e dá-lhe um cigarro.

- Meu Deus, que bem que isto me está a saber!

- Há quanto tempo não bebes um whisky?

- Há pelo menos 10 anos!!! - responde o nosso herói, ainda atarantado.

Então ela abre outro bolso interior, tira uma garrafinha de whisky e dá-lhe!

O homem bebe tudo de um trago, ainda descrente com o que lhe estava a acontecer, mas muito, muito feliz!

Então a loiraça começa a baixar o fecho principal do fato e pergunta-lhe:

- E há quanto tempo é que não te divertes a sério?

Vai o nosso homem e grita, louco de felicidade:



- Eh PÁ, tu não me digas que tens aí um portátil?!...

terça-feira, 15 de julho de 2014

Ler, Ver e Ouvir nas férias de Verão


- Jung Chang – A Imperatriz Viúva - Cixi, A Concubina Que Mudou A China
- Arturo Pérez-Reverte – O Tango da Velha Guarda
- Irvine Welsh – Porno
- Leopoldo Brizuela – Lisboa – Um Melodrama
- Henning Mankell – The Shadow Girls (Tea-Bag, na edição portuguesa)



- Rendez-Vous (Encontro), de André Téchiné
- Pas Sur La Bouche (Nos Lábios Não), de Alain Resnais
- La Meglio Gioventù (A Melhor Juventude), de Marco Tullio Giordana
- All About Eve (Eva), de Joseph L. Mankiewicz
- Jour de Fête (Há Festa na Aldeia), de Jacques Tati
- Dirty Pretty Things (Estranhos de Passagem), de Stephen Frears
- Close-Up, de Abbas Kiarostami
- Mistérios de Lisboa, de Raúl Ruiz
- I Want To Be Famous aka Happy End (Quero Ser Famosa), de Amos Kollek



- Belle & Sebastian – Fans Only
- Rufus Wainwright – All I Want
- Ani DiFranco – Trust - Live At The 9:30 Club, Washington, DC
- Nick Cave And The Bad Seeds – God Is in The House
- Franz Ferdinand – Live
- Pavement – Slow Century
- VA – Glastonbury Anthems
- VA – Later… with Jools Holland - Cool Britannia

Os novos discos de: Beck, Lykke Li, Damon Albarn, Real Estate, The War On Drugs, Sharon Van Etten, St. Vicent, Swans, Sun Kil Moon, Pixies, Mão Morta e Capitão Fausto.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Cinema do Mundo

Para desenjoar das repetitivas e monótonas produções de Hollywood, apresento 5 filmes que de alguma forma mexeram comigo recentemente:

1.The Hunt (Jagten; A Caça), de Thomas Vinterberg – Dinamarca (2012)

Filme fantástico, sobre uma história que será o pior pesadelo para qualquer professor. Através de manipulações e popularismos enraizados, mostra-se de forma implacável o lado negro da natureza social humana, quando falsos rumores são espalhados a grande velocidade numa pequena comunidade. Aqui, o educador Lucas (brutal interpretação de Mads “Hannibal” Mikkelsen) é confrontado com uma acusação de exibição das partes íntimas por parte de uma aluna, a pequena Klara, e com a consequente revolta de toda a comunidade onde vive. Drama intenso, angustiante, com cenas bastante fortes e, claro, desconcertante para qualquer professor.




2. The Broken Circle Breakdown (Ciclo Interrompido), de Felix Van Groeningen – Bélgica (2012)

História comovente e dramática de um casal que é confrontado com o medo da perda de uma filha de 6 anos. Ele, Didier, ligado à cultura americana, cantor folk numa banda (vieram-me de imediato à memória os Mumford & Sons!) e ela, Élise, dona de uma loja de tatuagens, formam um par romântico bastante exótico, com um casamento quase surreal (reparem na mesa de bilhar, nos cortinados e nos óculos do padre). Destaque para o impressionante e furioso discurso protagonizado por Didier contra um deus inexistente, numa altura em que o destino parecia já ter derrotado o amor intenso do casal.

 



3. La Grande Bellezza (A Grande Beleza), de Paolo Sorrentino – Itália (2013)

Ambientado na cidade de Roma, explorando as suas magníficas imagens, conta a história de um escritor de 65 anos, Jap Gambardella (Toni Servillo) que apenas escreveu um único livro na sua vida, chamado “O Aparelho Humano” e que foi um grande sucesso há 40 anos atrás. Desde então tem-se limitado a usufruir da fama e privilégios conquistados, frequentando festas deslumbrantes da alta sociedade, algumas das quais no terraço do seu apartamento, com vista para o Coliseu. A certa altura do filme Jap afirma: “aos 65 anos descobri que não posso perder tempo a fazer coisas que não gostaria de fazer”. O escritor pondera voltar a escrever, especialmente quando se recorda de um amor inocente da sua juventude. Para quem não estiver preparado, o filme poderá parecer complicado e até um pouco monótono.

 



4. Rebelle (aka War Witch), de Kim Nguyen – Canadá (2012)

Filme com violência e crueldade difíceis de suportar (fez-me recordar o "Hotel Ruanda", de Terry George). Num lugar não identificado da África Central, Komona (Rachel Mwanza) é uma adolescente de 14 anos, grávida, que conta ao seu filho, ainda no ventre, a história da sua vida, desde que foi raptada pelo exército rebelde, aos 12 anos, tendo como único apoio a presença do Mágico, um jovem de 15 anos que sonha casar-se com ela. O filme é narrado de forma crua e realista por Komona. É um filme tenso mas ao mesmo tempo amoroso, quando mostra a relação do casal apaixonado. Uma curiosidade: todo o elenco nunca tinha participado em qualquer filme.

 



5. La Vie D’Adèle (Blue Is The Warmest Colour; A Vida de Adèle – Capítulos 1 e 2), de Abdellatif Kechiche – França (2013)

Apesar de durar 179 minutos já o vi duas vezes e ainda o voltarei a rever com toda a certeza. A principal razão será, claro, a exuberante Adèle Exarchopoulos (Léa Seydoux também cativa mas de modo diferente) e a sua transição da fase adolescente para a fase adulta. Trata-se de uma história polémica de amor e de desamor, de ilusão e desilusão. Aqui, a sexualidade, apesar de intensa, é secundária. A intimidade é que é exposta de uma forma nunca vista, inquietante, à qual é impossível ficar indiferente.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

José Ferreira Bomtempo - No Reino das Anjos


No passado dia 7 tive o prazer e a honra em participar na apresentação da obra “No Reino das Anjos” de José Ferreira Bomtempo. O autor é um amigo pessoal de longa data, excelente comunicador, de enorme carácter, com uma cultura geral extraordinária e extensa actividade profissional.

Ao longo desta obra bastante original são apresentadas várias questões / desafios que todos já enfrentámos. Amizade, romance, religião e crenças populares e, acima de tudo, a distinção entre o bem e o mal, são alguns dos temas dominantes.

Do ponto de vista literário, está muito bem escrita, de forma inteligente, de modo que quem começa a lê-la não tem vontade de parar. Confesso que a mim deu-me muito prazer a sua leitura.

Tendo em conta a extensão da obra (os dois primeiros volumes da trilogia totalizam cerca de 850 páginas), apresento uma sinopse e uma citação para aguçar apetites...

Sinopse:
Daniel, economista, professor universitário, meia-idade, sempre ocupado e cheio de pressa, com a agenda de trabalhos altamente preenchida de compromissos a que muitas vezes não encontra resposta porque os tem, um belo dia, quando se dirige ansiosamente ao volante da sua viatura em direção à faculdade, a fim de ocupar o seu tempo em mais uma jornada letiva, envolve-se num brutal acidente de viação que vai enviá-lo para uma nova realidade, até aí completamente desconhecida e na qual se vê confrontado a dialogar com o seu avô Augusto que confortavelmente o põe ao corrente do sucedido. Perante tão estranha aparição do seu familiar há tempos desaparecido do mundo dos vivos, Daniel é informado pelo seu avô Augusto da missão que tem para com ele de esclarecê-lo das dúvidas que o assaltam em tão angustiante momento da sua vida…

Citação:
Página 185 – “Com toda a sofreguidão de Eros e Afrodite, drogados pela adrenalina liberta no sangue, envenenados pelas setas de um imaginário Cúpido, como uns jovens amantes, completamente libertos do constrangimento que nos prendia, estamos os dois em simultâneo, com o pensamento, plenamente carregado de eróticos desejos de mórbida volúpia! Começamos então, a desembaraçar-nos sofregamente da roupa que trazemos vestida e que só nos incomoda, que só nos atrapalha. Em breve acabamos no chão da sala, entrelaçados um no outro como duas cobras, completamente desnudados, a fazer, com toda a sofreguidão, uma dança viperina do amor! “

Contactos do autor:

https://www.facebook.com/joseferreirabomtempo
http://josebomtempo.blogspot.pt/



segunda-feira, 2 de junho de 2014

Leituras de Junho


E as minhas leituras para este mês de Junho são:

- Leonardo Padura - O Homem Que Gostava de Cães
- Philippe Claudel - Almas Cinzentas
- José Paulo Cavalcanti Filho - Fernando Pessoa - Uma Quase-Autobiografia
- Lídia Jorge - Os Memoráveis

sábado, 17 de maio de 2014

Gabriel García Márquez – A Hora Má: o Veneno da Madrugada


“O mar crescerá com as minhas lágrimas


Esta obra foi publicada em 1962, muito tempo antes de Gabriel García Márquez se tornar um escritor reconhecido internacionalmente e vinte anos antes de ganhar o Nobel da Literatura. Como habitualmente transporta-nos para tempos incertos e locais mágicos, com bastante humor negro e profunda desgraça dos personagens que caracterizam a sua obra, num relato em tom neutro mas com uma fina ironia. No entanto, não alcança a perfeição de “Amor em Tempos de Cólera” ou “Cem Anos de Solidão”.

A história decorre numa pequena vila perdida algures na América do Sul, em permanente convulsão social e política, onde são apresentados personagens que gravitam à volta do Estado, na figura do alcaide, ou da Igreja, representada pelo padre Ángel. As lutas pelo poder, as disputas políticas, a solidão e os boatos e o que eles são capazes de fazer no indivíduo e na sociedade são temas recorrentes nesta obra.

A trama desenrola-se à volta dos pasquins que misteriosamente são colocados porta a porta, durante a madrugada (daí o título da obra) e que deixam as pessoas assustadas com o que poderá ser denunciado. Estes panfletos anónimos apontam amantes, filhos bastardos, traições amorosas e políticas, segredos de família e outros mexericos da vila. Apesar de não se saber se os pasquins estão a dizer a verdade, os moradores passam a temer a sua publicação e assim geram um medo irracional. Logo no início do livro um dos visados por um pasquim, César Montero, é informado da infidelidade da esposa e por isso mata a tiro o suposto amante, Pastor.

Ao longo da obra desfilam vários personagens consistentes e marcantes como a viúva Montiel, o juiz Arcadio, o dr. Giraldo, o dentista, o barbeiro, o sr. Carmichael, a Trinidad, Don Sabas e a família Asís, num ambiente de muito calor, chuvas torrenciais, com muitos ratos na igreja, com censura dos filmes do cinema, dores de dentes e um estado de sítio. Curioso sem dúvida é o cruzamento com personagens de outras obras do escritor como a Mamã Grande e o coronel Aureliano Buendía e ainda a referência ao lugar de Macondo… Outro pormenor delicioso é a descrição da origem da palavra pasquim (afixação de panfletos numa estátua da cidade de Roma chamada Pasquino). O desfecho da história desiludiu-me o que veio a deteriorar a imagem global com que fiquei deste livro.

Ruy Guerra realizou o filme “La Mala Hora” (“O Veneno da Madrugada”) em 2006, inspirado nesta obra de Gabriel García Márquez, optando por apresentar a vila num ambiente obscuro, invernal, lamacento (recriando na perfeição as imagens mentais que tinha após a leitura do livro), mas com personagens demasiado teatralizadas. É falado em português, Maria João Bastos e António Melo têm curtas aparições, a ordem cronológica dos acontecimentos é bastante alterada, verifica-se a ausência de personagens (como o Pepe Amador) e do cinema à frente da igreja e a conclusão da história também diverge do original.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Tertúlia Literária


Desta vez a sessão foi dedicada ao(s) “Livro(s) da Minha Vida”…

terça-feira, 29 de abril de 2014

Khaled Hosseini - Mil Sóis Resplandecentes


O passado continha apenas uma sabedoria: o amor era um erro perigoso, e a sua cúmplice, a esperança, uma ilusão traiçoeira”.

Este livro, marcante e inesquecível, confirma a certeza de que os livros ensinam, educam e nos fazem empreender as mais ousadas viagens. Por alguns momentos tive de interromper a sua leitura, revoltado devido à sua carga dramática com partes terrivelmente chocantes. Está escrito de uma forma acessível que nos toca com palavras profundas e ironicamente belas. Um vislumbre sobre a intolerância e a força da tradição, sobre o que foi ser mulher e mãe no Afeganistão, sobre uma amizade linda entre duas mulheres afegãs, a maneira como elas suportavam tudo tendo uma à outra, e que também aborda docemente a maternidade e por isso também é um livro de amor, esperança e perseverança.

Conta a história de duas mulheres afegãs Mariam e Laila, de duas gerações distintas, cuja vida se cruza (chegam a ser esposas do mesmo marido) no meio das convulsões que afectaram o país no último quarto do século XX e início do século XXI. Ao mesmo tempo a história do país que elas habitam, o Afeganistão, é apresentada: a transição da monarquia para a república com Daoud Khan, o domínio comunista (desde o golpe de Estado de Abril de 1978 a 1992), a invasão soviética (de 1980 a 1988), a entrada dos mujahidin no poder em 1992, mantendo-se conflitos permanentes entre etnias rivais (hazaras, uzbeques, pastunes e tajiques) e diferentes líderes (Ismail Khan, Rabbani, Massoud - que morreu dois dias antes da terça-feira 11/09/2001 - e Dostum), a chegada dos talibans em Setembro de 1996 que se mantiveram no poder até 2003, altura em que o novo presidente Karzai passou a governar.

O livro divide-se em 4 partes. A primeira é dedicada a Mariam, uma menina cuja maior alegria na sua vida tinha o seu apogeu às quintas-feiras, quando o seu pai Jalil a vinha visitar por alguns minutos. Filha ilegítima de um homem rico que tinha três esposas legítimas e nove filhos, cedo conheceu o inferno quando após o suicídio de sua mãe Nana (com apenas 14 anos) foi dada pelo seu próprio pai, em casamento a um homem de 45 anos, de seu nome Rashid, e foi levada da sua pacífica Herat para a capital Cabul.

A segunda parte é dedicada à bela e inteligente Laila que perde os pais aos 9 anos quando se preparavam para deixar Cabul em direcção ao Paquistão e a casa é atingida por um rocket. A solução passou por casar com o marido de Mariam, após ter sido (mal) informada de que o seu amor da juventude Tariq teria morrido.

Na terceira parte as duas mulheres vivem em conjunto com o marido Rashid, um árabe tacanho com mentalidade pré-histórica que vê o ser feminino como objecto cujo único propósito é o de servirem o homem, dar filhos e serem um saco-de-boxe quando as coisas não correm como ele gostaria. Com dezanove anos de diferença, origens, objectivos e visões da vida também diferentes para ambas, no início não se relacionam e até se evitam na mesma casa, mas depois as vicissitudes da vida fazem com que se unam e se defendam conforme possam do marido, um homem violentíssimo. Estabelecem assim uma relação quase de mãe-filha e durante anos suportam os seus maus tratos e o seu único objectivo é conseguirem sobreviver diariamente, especialmente após a malograda tentativa de fuga para o Paquistão. Mariam não conseguiu gerar um filho a Rashid tendo abortado nas diversas tentativas e Laila, a preferida de Rashid, teve uma menina – Aziza – para desgosto de Rashid, apesar de o pai ser Tariq. À segunda acertou na pretensão do marido e gerou o filho Zalmai, através de uma cesariana sem anestesia!

A descrição das barbaridades que as mulheres sofreram devido aos talibans são impressionantes e as regras estabeleciam que se saíssem de casa sozinhas seriam espancadas, não podiam usar jóias, cosméticos nem roupa elegante ou pintar as unhas. Também não podiam frequentar a escola ou trabalhar, nem podiam rir ou mostrar o rosto em público, cruzar o olhar com um homem, falar a não ser que lhe dirijam a palavra. Em caso de adultério seriam apedrejadas até à morte. “Mariam ouviu falar de mulheres que se suicidavam com medo de serem violadas, e de homens que, em nome da honra, matavam as esposas e as filhas se estas tivessem sido violadas pelos militares”.

Nesta altura a fome aumentou de forme acentuada. Mariam vê-se forçada a recorrer ao pai mas fica a saber que já tinha morrido em 1987. Aziza tem de ir para um orfanato. “Morrer de fome tornou-se de súbito uma possibilidade real. Alguns optaram por não esperar por ela. Mariam ouviu falar de uma vizinha viúva que arranjara um pouco de pão seco, o misturara com veneno de ratos, e o dera a comer aos seus sete filhos. Guardara para ela a porção maior”. “Até o homem mordido pela cobra consegue dormir, mas o faminto não”.

Na quarta parte conclui-se a trama que aqui não vou desvendar para manter o interesse de quem pretenda ler o livro. Destaco contudo mais alguns episódios: as referências a “O Velho e o Mar” de Hemingway; o vocabulário farsi abundantemente utilizado (como salaam; shahid; jihad; harami; kolba ou nikka); os seixos; o passeio pelos budas gigantes de Bamiyan (na imagem abaixo), mais tardes destruídos pelos talibans; o filme Pinóquio da Disney; a televisão e cassetes piratas e o poema persa de Saeb-e-Tabrizi dedicado a Cabul que explica o título,

Não se podem contar as luzes que brilham sobre os seus telhados,
Nem os mil sóis resplandecentes
Que se escondem por trás dos seus muros.


quarta-feira, 23 de abril de 2014

domingo, 20 de abril de 2014

Li o livro, vi o filme


As adaptações literárias para o cinema nunca são exactamente fiéis. Às vezes, é preciso reduzir a trama e deixar de lado detalhes para que os momentos mais importantes caibam nos minutos do filme ou mesmo para que não sejam censurados. Por isso e de uma maneira geral, prefiro sempre o livro. Nos três exemplos que acabei de ler e ver (sempre por esta ordem) gostei imenso tanto do livro como do filme, pois ambos são deliciosos de se ler e assistir. São histórias que divertem quem lê e ao mesmo tempo capazes de nos fazer repensar muitas das nossas atitudes perante os outros.

1) Truman Capote – Boneca de Luxo

Boneca de Luxo, Breakfast at Tiffany’s, no original de 1958 (há expressão inglesa que dê mais gozo pronunciar?) é um romance tocante e singelo sobre a amizade, o amor e as desilusões. Holly Golightly é uma mulher bonita, inteligente, mas viciada, boémia e mundana, que procura o luxo e a luxúria sem renegar os valores tradicionais da província e até vive com um gato. Espirituosa e ternamente vulnerável, inquieta as vidas dos que com ela se cruzam. De uma personalidade frágil e confusa, procura apenas alcançar a sua felicidade, que para ela é um estado de satisfação semelhante à sensação encontrada ao observar pela manhã as vitrines da Tiffany & Co. O narrador, que não revela o seu nome, e que conviveu com ela em Nova Iorque e por ela apelidado de “Fred” por lhe fazer lembrar o irmão, considera-a uma “exibicionista indecente” e “vil impostora”. Durante a sua estadia em Nova Iorque, pois não tem pouso certo por não ser capaz de encontrar um lugar seu, que a faça sentir em casa, é sustentada por amigos do sexo oposto e por Sally Tomato, um mafioso que vive na prisão e que semanalmente lhe passa códigos em formato de previsão do tempo para que Holly transmita aos seus companheiros que estão fora da prisão. Após Nova Iorque é sugerida a passagem de Holly (afinal, Lula Mae Barnes) pelo Brasil, Buenos Aires e algures em África.

No filme de Blake Edwards de 1961, a relação entre as personagens principais altera-se, passando de amizade apenas no livro para o amor romântico no filme. No livro o narrador chama-se Paul Varjak, há a sugestão de que Paul é homossexual e Holly, bissexual. Por isso no filme é criada uma nova personagem no intuito de retirar a homossexualidade de Paul: uma decoradora, sua amante, que o sustenta. Na cena mais caricata, Holly surge a tentar aprender a língua portuguesa com uma grafonola e um disco de 33 rotações, porque planeava fugir para o Brasil com um José da Silva Pereira mas ambos consideram ser “uma língua complicada com 4000 verbos irregulares”. Além disso, o personagem Joe Bell, proprietário de um bar que frequentam, desapareceu no filme. A queda aparatosa no cavalo depois de uma corrida louca no Central Park e a detenção de Holly na sua banheira também são esquecidos. A deslumbrante Audrey Hepburn, no papel de Holly, foi nomeada para melhor actriz e também encanta ao dar voz, na parte final do filme, à canção de Henry Mancini, “Moon River”.


2) Thomas Mann – Morte em Veneza

O amor platónico e a paixão arrebatadora pela beleza são os temas centrais desta obra, escrita de forma eloquente e profunda em 1911. Gustav von Aschenbach é um escritor alemão cinquentão que ao passar por uma crise criativa decide revisitar Veneza. No hotel Lido repara em Tadzio, um adolescente polaco de catorze anos que considera o expoente máximo da beleza. Inicialmente o seu interesse é puramente estético, ou pelo menos é o que ele diz para si mesmo. No entanto, rapidamente se apaixona pelo rapaz de forma intensa e violenta e persegue-o ousadamente pelas ruas e canais de Veneza, mas jamais estabelecem contacto directo. Como permanece indiferente aos rumores sobre uma epidemia de cólera na cidade, o fim acaba por ser previsível e inevitável.

O filme “Death In Venice” de 1971, realizado pelo italiano Luchino Visconti mantém a densidade psicológica do livro, explora eficazmente a beleza de Veneza e diverge ligeiramente da obra escrita ao iniciar-se com a chegada a Veneza sem quaisquer prolegómenos e com o protagonista a passar de escritor a músico fracassado. A tentativa de dissimular a idade com cosméticos pareceu-me bastante exagerada, ficando Gustav com um aspecto patético, apesar de servir para acentuar a irrealidade.


3) F. Scott Fitzgerald – O Grande Gatsby

Esta obra de 1925 passa-se em Nova Iorque (Long Island) durante o Verão de 1922 e conta a história do milionário excêntrico que subiu na vida a pulso, Jay Gatsby (mas nasceu James Gatz), conhecido pelas festas animadas que dava na sua mansão. Os Estados Unidos vivem um período de prosperidade sem precedentes. Vivia-se a era dourada do jazz em toda a sua decadência e excessos, num mundo de aparências. Quem nos conta a história é o seu novo vizinho, Nick Carraway, um jovem comerciante de Midwest, que se torna amigo de Gatsby. Apesar de idolatrarem os ricos e o glamour da época, ambos não se conformavam com o materialismo sem limites e a falta de moral e cultura, que traziam consigo uma certa decadência, o que resulta numa crítica ao sonho americano. A fortuna de Gatsby é motivo de rumores, nenhum dos inúmeros convidados que Nick conhece nas festas de Gatsby conhece muito bem o passado do anfitrião e há suspeitas de actividades ilegais. Nick também visita Tom Buchanan, outro “novo-rico”, um antigo atleta universitário abastado, marido de Daisy, que é prima de Nick. Mais tarde, Nick descobre que o milionário só mantinha estas festas na esperança de que Daisy, seu amor há cinco anos, fosse a uma delas por acaso. No desenrolar da história deparamos com Jordan Baker, George Wilson, dono de uma garagem, a sua mulher Myrtle (mas também amante de Tom), um atropelamento mortal com um carro amarelo, uns óculos gigantes, um assassinato, um suicídio e um funeral com três pessoas.

O argumento do filme de 2013 é bastante fiel ao livro. Tobey Maguire é Nick Carraway, Leonardo DiCaprio é Jay Gatsby e Carey Mulligan é Daisy Buchanan. Como o realizador é Baz Luhrmann há uma preocupação com a banda sonora (The XX, Jack White, Lana Del Rey e Florence + The Machine, entre outros) e com a caracterização dos anos 20 nova-iorquinos ("Roaring Twenties") e as suas exuberantes festas, o que resulta num sentido estético aprimorado com cenários sumptuosos.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

RIP Gabriel García Márquez (1927-2014)


Portugal está condenado a sentar-se de sapatos rotos e casaco remendado na mesa dos mais ricos do mundo.”

G. G. Márquez, 1975

terça-feira, 15 de abril de 2014

Philip Roth – O Animal Moribundo


Este é o décimo primeiro livro que leio de Philip Roth, e seria uma tarefa muito ingrata escolher aquele que me tocou mais profundamente. Para mim, Philip Roth é definitivamente um dos maiores escritores norte-americanos vivos.

Nesta história curta mas ampla nas reflexões que possibilita, é feita uma análise ao amor e erotismo na terceira idade. Passa-se em Nova Iorque e é narrada (a um ouvinte não identificado) por David Kepesh, sexagenário de cabelos brancos, professor universitário, crítico cultural da televisão (sobre o que há de melhor para ver, ouvir e ler) mas também divorciado, pai ausente de um único filho e a viver de modo indecoroso a liberdade sexual conquistada com a revolução cultural dos anos 60 pois considera-se muito vulnerável à beleza feminina. No fundo trata-se de um ser humano que não aceita a sua incoerência e que por isso se vulgariza numa consistência oca.

Kepesh, que sente a velhice aproximar-se e a morte a rondar, tem por hábito seleccionar uma aluna no primeiro dia de aulas para com ela ter um caso no final do ano lectivo. Aos 62 anos, a escolha recai sobre a bela Consuela Castillo, de 24 anos, de origem cubana. Apesar de se tratar de uma relação sem qualquer compromisso formal nem obrigações com o sexo oposto, que o satisfaz sexualmente de forma plena (apesar da quase crueldade que é sentir desejo por alguém tão mais novo), Kepesh vê a sua vida desmoronar-se pois torna-se uma vítima dos mais básicos instintos de posse e ciúme e assim despojou-se do seu realismo e pragmatismo e não pensava noutra coisa que não perder a sua amante. Um ano e meio após o seu início, a estudante seduzida termina a relação pois Kepesh não é capaz de enfrentar a família da sua amante no dia de celebrar o fim da sua licenciatura.

O tempo passa. A passagem do tempo torna Kepesh naquilo em que todos nós nos tornaremos: um animal moribundo. A relação conflituosa com o filho Kenny, que leva uma vida falsamente moral, continua (não faltando uma alusão aos “Irmãos Karamazov”), tal como os encontros com a eterna amante Carolyn e os desabafos com o seu amigo George, que acaba por falecer vítima de uma trombose. Continua a coleccionar namoradas, até que Consuela, já com 32 anos, volta-lhe a telefonar novamente, numa noite de passagem de ano, a pedir para terem uma conversa.

As referências culturais abundam, passando por diversos compositores de música clássica, por um manuscrito de Kafka (que impressionou Consuela), por uma ópera de Puccini, pelo Monte Rushmore, pelo relógio criado em 1812 para medir o andamento musical (metrónomo), pelas pinturas de Balthus, por um quadro de Velázquez (“As Meninas”, reproduzido na imagem abaixo) e um de Amedeo Modigliani (“Le Grand Nu”). Este último constava do postal ilustrado que Kepesh recebeu de Consuelo seis meses após terem terminado a relação e também consta da capa da edição que acabei de ler. Uma curiosidade: o título “The Dying Animal” foi retirado do poema “Death” de William Butler Yeats.


E termino com duas citações para aperitivo de tão lauta refeição:

A única obsessão que toda a gente quer: “amor”. As pessoas pensam que ao amar se tornam inteiras, completas? A união platónica das almas? Eu não penso assim. Penso que estamos inteiros antes de começarmos. E o amor fratura-nos. Estás inteiro e depois estás fraturado, aberto. Aqui não resisti a consultar o original: "The only obsession everyone wants: 'love.' People think that in falling in love they make themselves whole? The Platonic union of souls? I think otherwise. I think you're whole before you begin. And the love fractures you. You're whole, and then you're cracked open."

Será que os homens, uma vez excluído o sexo, continuariam a achar as mulheres assim tão encantadoras?

A adaptação ao cinema pela espanhola Isabel Coixet não me desiludiu. Pelo contrário, o seu filme de 2008, Elegy (“Elegia”) consiste numa adaptação inteligente da obra de Roth, baseada na portentosa interpretação de Ben Kingsley (o eterno Gandhi no papel de David Kepesh) e de Penélope Cruz (Consuela Castillo), com todo o esplendor da sua sensualidade (aqui comparada à figura do quadro "La Maja Vestida" de Goya). Com poucas alterações ao original (até o episódio do tampão é recordado!) e com uma ternura, graça irónica e intensidade erótica, “Elegia” explora o poder que a beleza tem em cegar, revelar e transformar as pessoas…



sábado, 12 de abril de 2014

Peter Hook (Casa das Artes, V. N. de Famalicão, 11/04)



O baixista da mítica banda de Manchester revisitou os álbuns de estúdio “Unknown Pleasures” (1979) e “Closer” (1980). Na primeira parte, o público, na sua maioria com mais de três décadas de idade, foi brindado com sete temas dos mais electrónicos New Order, como “Bizarre Love Triangle” e “True Faith”, num cenário onde se vislumbravam duas gigantescas lonas de pano ilustradas com as capas dos álbums de rock melancólico e depressivo dos Joy Division.

Apesar da voz debilitada e nos antípodas de um vocalista carismático, a actuação enérgica e autoritária de Peter Hook agradou-me pois fui ao concerto sem outra expectativa que não fosse recordar música que marcou, e de que maneira, a minha adolescência.

No total foram mais de duas horas e meia animadíssimas, num ambiente de misticismo e revivalismo e não obstante os três intervalos (a t-shirt do Batman, oferecida ao público no final, não conseguia esconder os 58 anos do performer!), houve uma dança delirante com um fã, um desfecho estonteante com “Transmission” e “Love Will Tear Us Apart” e muito moche mas também alguma desilusão com a ausência da “Atmosphere”.





quarta-feira, 2 de abril de 2014

Leituras de Abril


Eis a minha selecção de títulos para ler durante o mês de Abril:

- Khaled Hosseini - Mil Sóis Resplandecentes
- Philip Roth - O Animal Moribundo
- Nelson Algren - Vidas Perdidas - A Walk On The Wild Side
- Manuel Jorge Marmelo - Uma Mentira Mil Vezes Repetida
- A. M. Dean - Bibliotecário

sábado, 22 de março de 2014

Richard Zimler - A Sentinela


Este livro de escrita fluida e realista, presenteia-nos com um enredo muito interessante e invulgar e com um ritmo narrativo por vezes impressionante. Muito diferente das obras anteriores, Zimler aqui num registo próximo do policial, em que a personagem principal é um inspector da Polícia Judiciária oriundo do Colorado, EUA, que tenta desvendar um assassinato mas acaba por tropeçar também em abusos sexuais de menores de natureza brutal (e por isso é duro de ler, pela impotência perante descrições atrozes) e casos de subornos envolvendo altas personalidades de Portugal. Aliás, em relação a este último aspecto, o autor caracteriza o estado actual do nosso país de uma forma crua e real, chegando ao ponto de fazer referência a alguns casos sobejamente conhecidos, não se inibindo de expor a corrupção e os abusos de poder nas altas esferas políticas.

Monroe, o tal inspector, vive assombrado pelo seu passado. Vítima de violência física e psicológica na sua infância por parte do pai e sentindo-se abandonado pela mãe desde os 14 anos (quando esta morreu num acidente de viação), tem no irmão Ernie (que atravessa um calvário ainda maior) um companheiro nesta revolta pessoal pelo sofrimento que o acompanha desde a infância. Por isso a componente psicológica é fulcral, e aumenta quando se toma conhecimento de que o distúrbio de personalidade múltipla acompanha-o desde os 8 anos, altura em que Gabriel (“G”) – a Sentinela - lhe surgiu pela primeira vez. G será uma presença constante na sua vida e constituirá uma valiosa ajuda na resolução de casos. Desta forma a trama intercala a postura de homem de família, bom colega e bom profissional, para subitamente acordar o seu lado mais revoltado e cruel (G). Esta combinação de dor com cenas mais calmas de puro amor familiar e filial aumenta a complexidade da personagem sendo estes retrocessos da acção até à infância dos dois irmãos, descritos de forma pungente. A necessidade de ternura e afecto chegam a ser um pouco exagerados:

O absurdo de acenar aos meus filhos mesmo quando estavam a poucos metros de mim nunca deixou de dar a sensação de ter penetrado num mundo de ternura onde só podem acontecer coisas boas.”

"Ser pai é para mim uma constante surpresa. Provavelmente porque tudo parece passar demasiado depressa."

O assassinato do empresário Coutinho, o tráfico de influências, os abusos de menores (“a crueldade nunca sai de moda”), os dois suicídios, a vida familiar, a cidade de Lisboa como pano de fundo, o Black Canyon no Colorado, os anúncios de publicidade do Jorge, as angústias do protagonista, a homossexualidade, o Om (ॐ), os pequenos poemas Haikus, os dois tiros (na perna e ombro), sucedem-se e o final seria inesperado se se tratasse de um vulgar policial…

As referências encontradas ao longo da obra vão desde a literatura (Philip Roth e “Casei Com Um Comunista”; poemas de Pablo Neruda; Isabel Allende; Dickson Carr; Raymond Chandler; “Queimada” de P.C. Cast + Kristin Cast; o livro “Deaf People in Hitler's Europe”), à música (P.J. Harvey; The Killers; Carlos Gardel; Bing Crosby; The Shirelles; The Chordettes; Andrew’s Sisters e o álbum Lungs de Florence + The Machine, especialmente a canção Dog Days Are Over e o seu primeiro verso: Happiness hit her like a train on a track - a felicidade atingiu-a como se fosse um comboio descontrolado) a figuras da sociedade e do mundo de negócios (com nomes de 4 ministros do actual governo, Mariza, Fernando Gomes, Américo Amorim, Paula Rego, Júlio Almeida, Carlos Botelho, Miguel Relvas e Isaltino Morais).

Para memória futura:

Porque obrigar uma pessoa a escolher entre aqueles que ama é a melhor forma de a destruir.”

“- Portugal… - disse ele, abrindo os braços como se para abraçar o país inteiro – é o país onde as regras não passam de sugestões!”

O nosso sistema de filtragem está gravemente avariado: em vez de rejeitar as pessoas mais corruptas, o aparelho político permite-lhes subir até ao topo.”

segunda-feira, 10 de março de 2014

Angel Olsen – Burn Your Fire For No Witness


Ao segundo álbum, a cantora/compositora de indie folk Angel Olsen é já um caso sério. Ao ouvirmos este disco de natureza melancólica, sem esforço e quase sem darmos conta entramos no mundo de uma perfeccionista cuja música aparentemente simples e transparente, se torna verdadeiramente cativante. E o que aqui podemos ouvir são 11 canções perfeitamente esculpidas, eficazes e de texturas ricas, valorizadas pela infinidade de recursos melódicos e frescura que imprimem.
 
Hi-five / So am I! / All of your life / Stuck inside / I’m stuck too / I’m stuck with you / I do

sábado, 8 de março de 2014

Philip Roth - O Complexo de Portnoy


Aparentemente a ideia de um livro que se baseia unicamente num monólogo, em que o protagonista (Alexander Portnoy) se dirige ao seu psiquiatra (Dr. Spielvogel), relatando um universo neurótico, dificilmente poderia resultar numa história profunda, absorvente e divertida. Mas é disto que se trata nesta obra de um dos meus autores contemporâneos favoritos. Mais uma vez é impressionante o seu nível de maturidade da escrita, o seu grau de lucidez nas leituras da realidade e o traquejo na arte da construção do romance.

No sofá do seu psiquiatra Portnoy divaga sobre a religião, pai, mãe, irmã, cunhado, masturbação, relações, adolescência, vida adulta e Nova Iorque. E fala e fala e não sabemos onde quer chegar, mas não se consegue parar de ler! Não tanto pela curiosidade do que acontece pois a obra não está arquitectada de modo a que o leitor alimente expectativas em relação ao final, mas acima de tudo porque o modo como Philip Roth escreve é altamente viciante.

Assim este romance pouco convencional, publicado em 1969 (em Portugal só em 2010!), constituiu um escândalo na altura pelo seu hiper-sexualismo, que para alguns poderá resultar numa leitura incómoda (para comprovar basta ler o título do segundo e quarto capítulos que não vou aqui reproduzir) mas também pelo forte ataque à cultura judaica (e à cultura familiar), mesmo tendo em conta que o autor também é judeu.

O narrador parte da infância e chega à idade de 33 anos, fazendo no entanto algumas deslocações no tempo na sua narrativa. Num registo que nos remete para um filme de Woody Allen, logo no primeiro parágrafo, Portnoy chama à mãe, que é omnipresente e ainda controla a sua vida, que o alerta para os perigos das raparigas não-judias, e, aqui e ali, aponta-lhe uma faca quando ele não quer comer a refeição, “a figura mais inesquecível que eu já conheci”. Por sua vez, o pai é um homem apagado, que chora muito e sofre de permanente obstipação. Metaforicamente, significa que não consegue atirar a sua merda cá para fora, pelo que a violência exercida sobre o filho cabe por exclusivo à mãe, daqui resultando a neurose narrada.

Portnoy, um génio com um QI de 158, que avançou dois graus na escola primária, advogado de sucesso, apresenta a descoberta da sua sexualidade, por vezes pouco ortodoxa, desenfreada (a única excepção é a Terra Prometida), expondo-a de forma despudorada, embrulhada num humor de levar às lágrimas (no entanto repito que poderá originar incómodo em alguns leitores dada a sua natureza incisiva e a ausência de qualquer receio de ferir por parte do autor).

Ao longo da sua vida Portnoy interessa-se sobretudo por raparigas não-judias mas recusa frontalmente o amor romântico. Nunca se satisfaz sexualmente de forma plena, nem consegue amar ninguém. Entre elas está a Macaca, uma mulher que ele engata à entrada de um táxi, com quem tem bom sexo e chega mesmo a sentir uma empatia que nunca sentira antes. A Macaca é uma espécie de namorada-troféu. Portnoy não toma a aceitação da Macaca em participar num “ménage-à-trois” como um símbolo de intimidade entre o casal. Portnoy deseja as mulheres mas, uma vez consumado o desejo, qualquer movimento delas em sua direcção é tido como uma agressão, como uma confirmação das ameaças maternais. Portnoy, simplesmente, tem demasiada mãe para poder aceitar outra mulher “dentro” dele: “A minha mãe castrou-me.” Apetece plagiar o título do primeiro capítulo e concluir que Portnoy é “A personagem mais inesquecível que eu já conheci”.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Mario Vargas Llosa - Pantaleão e as Visitadoras


Pantaleão e as visitadoras” é um romance divertido, cómico, que se lê por puro prazer, narrado por meio de cartas, memorandos, programas de rádio e relatórios militares cheios de bom humor e de ironia, intercalados com discursos que se cruzam de uma forma no mínimo invulgar, pois Vargas Llosa brinca com os diálogos misturando simultaneamente diferentes conversas. No início, o leitor desprevenido estranha este tipo de escrita que é acompanhada com um sorriso constante nos lábios e por algumas valentes gargalhadas. Aqui, a prostituição, o fanatismo religioso e o funcionamento de grandes instituições, como o Exército, entrelaçam-se para justificar acções levadas ao extremo. No fundo trata-se sobretudo de uma crítica à burocracia e à hipocrisia da máquina militar, à falsa moral de uns e outros, à facilidade com que um pseudo guia religioso arrebanha as massas e ao poder da comunicação social.

Na história apresentada como verídica e passada no final da década de 50, o dedicado capitão do exército peruano Pantaleão Pantoja é chamado a desempenhar uma função original e secreta em Iquitos: criar um corpo de visitadoras (eufemismo para prostitutas) que se desloque aos vários estabelecimentos militares dispersos pelo Peru para prestar os seus serviços, evitando desta forma os abusos e as violações dos militares à população civil e… até aos animais! Pantaleão era a pessoa ideal para realizar tal empreitada: não gostava de sair à noite, não apreciava bebidas alcoólicas, nunca tinha entrado num bordel e era tido como eficiente e organizado.

O SVGPFS – Serviço de Visitadoras para Guarnições, Postos de Fronteira e Similares – torna-se um sucesso absoluto, o número de visitadoras cresce exponencialmente, e até a Marinha, os oficiais e a população civil solicitam os serviços das visitadoras. Em termos logísticos também se verifica um aumento significativo dos seus meios de transporte (barcos e aviões). Em oposição ao sucesso “profissional”, a vida familiar do capitão complica-se, é abandonado pela mulher e pela filha recém-nascida e apaixona-se por uma visitadora, a belíssima “Brasileira”, a “involuntária semeadora de tragédias”, personagem que será fulcral para o desenvolvimento da história. Relevante será também a infiltração de uma seita religiosa no país, que crucifica de início pequenos animais e depois pessoas.

Acrescento mais alguns pontos de interesse: o radialista corrupto “Sinchi”; os relatórios estatísticos e os questionários criados por Pantaleão; a formalidade dos textos militares; o nome das visitadoras; a Casa de Ferro de Eiffel; a “Eva” e o “Dalila”; o óleo de golfinho e o hino criado pelas visitadoras, com o refrão:

Servir, servir, servir
O Exército da Nação
Servir, servir, servir
Com muita dedicação


Quando um barco que transportava as visitadoras é atacado, os agressores tentam fazer-se passar por elementos da seita religiosa e crucificam a “Brasileira”, morta pelos soldados que tinham sido avisados do ataque. No seu enterro, Pantita discursa e assume a sua condição de militar, até então guardada em segredo, e o escândalo daí resultante leva ao encerramento do serviço, à sua mudança para uma zona fria e ao reencontro com a mulher e a filha.

Acrescento apenas que me desagradou a colossal quantidade de gralhas que detectei nesta edição da Dom Quixote, aceitável no comunicado da ex-visitadora Maclóvia mas pouco desculpáveis nas restantes situações.

"Pantaleão e as visitadoras" foi adaptado ao cinema no Peru em 1999 por Francisco J. Lombardi. Apesar do gozo proporcionado pela sua visualização, o filme perde em autenticidade, facto previsível dada a dificuldade natural de transpor para o cinema a escrita única de Llosa. As principais diferenças detectadas foram: a acção decorre no final da década de 90, com telemóveis e computadores; não aparecem certas personagens como a Dona Leonor ou o China; não há qualquer referência à seita religiosa ou ao hino das visitadoras; a criação de um uniforme para as visitadoras; a “Brasileira” passa a “Colombiana”; a filha Gladys agora chama-se Marina e, talvez mais importante, o filme centra-se na relação entre Pantoja e a “Colombiana”.

sábado, 1 de março de 2014

Money - The Shadow Of Heaven


Eis o disco que ainda não me cansei de ouvir nos últimos tempos, a fazer lembrar os bons velhos tempos, pré-mp3 e mesmo pré-CD, em que se descobria um bom álbum e passavam-se semanas e mesmo meses a ouvi-lo de forma consecutiva, muitas vezes gravado nas “extintas” cassetes de áudio para não deteriorar o vinil original. Assim aconteceu por exemplo com “The Queen Is Dead” dos Smiths; “Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me” dos Cure; o álbum de estreia dos Stone Roses; o “Nevermind” dos Nirvana e “Different Class” dos Pulp, entre muitos outros.

Neste disco de estreia, os Money, oriundos de Manchester, apresentam um conjunto de canções intrigante mas muito convincente que dão à sua música um carácter quase religioso, desconcertante e de uma tristeza intensa, fazendo lembrar os caminhos trilhados por Joy Division, The Cure ou Nick Cave no passado, ou mais recentemente, os Arcade Fire.

Embora por vezes escape para explorações mais livres, a predominância de ambientes sonoros guiados por rifes de guitarra melódicos e pela voz misteriosa do vocalista Jamie Lee, eleva a dimensão épica de cada uma das canções do disco.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Antonio Garrido - O Leitor de Cadáveres


Com uma capa e tema cativantes, este “O Leitor de Cadáveres” está muito bem arquitectado, com uma excelente pesquisa histórica onde se mistura ficção e realidade proporcionando um retrato duro e cruel da china imperial.

É uma espécie de policial histórico, cheio de ritmo, suspense e emoções, com mistério, intriga, crimes para solucionar e muitas reviravoltas. Baseia-se numa personagem histórica real do século XII, Song Cí, de origem chinesa, considerado o primeiro médico legista da História, que publicou o primeiro tratado da ciência forense de que há memória.

Na primeira parte do livro, Cí, de 20 anos, é apresentado como um rapaz humilde, lutador, culto e inteligente que é confrontado com uma série de adversidades indissociáveis da época: a morte das suas duas irmãs mais novas; a condenação à morte do seu irmão Lu e consequente execução; a morte dos pais após uma explosão na sua habitação; a excomunhão da sua aldeia e o título de fugitivo; vítima de assalto e envenenamento por uma flor – Aroma de Pêssego – ficando sem o barco que estava à sua responsabilidade e sem a sua irmã; pobreza extrema vivida com a irmã quando chegou à cidade de Lin’an; participação no mortal “desafio do dragão” pela segunda vez na sua vida; assunção de que o seu pai foi condenado por corrupção (e por isso não pode obter o seu Certificado de Habilitações); a morte trágica da irmã Terceira; problemas com o seu colega de quarto Astúcia Cinzenta na academia Ming e o cruzamento com o adivinho Xu, vigarista cruel, numa cidade onde abundam os “vadios, mendigos, assassinos, fura-vidas, bonecreiros e charlatães.”

Na segunda parte, Cí é-nos apresentado como "O Leitor de Cadáveres", onde se destaca a sua obsessão pelos estudos, pela busca do conhecimento, uma vontade constante de aprender e, acima de tudo, o desejo de inovar na sua “arte”, de criar métodos e técnicas que marcaram os primeiros passos numa ciência preponderante na actualidade. Destaco a forma como soluciona um assassinato à frente do mestre Ming, envergonhando o seu melhor aluno (Astúcia Cinzenta), o ingresso na academia Ming e a posterior chegada ao palácio Imperial, a convite do próprio Imperador! E mais não conto… Apenas acrescento que, na minha opinião, existe uma pequena falha: o autor termina o texto sem fazer qualquer alusão ao destino de Astúcia Cinzenta.

Algumas curiosidades: a doença de Cí; os costumes da época (como o luto de três anos pela morte de um dos pais e o consequente abandono da vida pública) por vezes difíceis de aceitar; a referência à vida sexual desta época com termos como o “talo de jade” e a “caverna do prazer”, incluindo abertamente o tema da homossexualidade; a punição de qualquer falha com pesados castigos físicos; a referência à primeira arma de fogo (handgun) e o nome das personagens (Lu, Terceira, Cereja, Shang, Aroma de Pêssego, Feng, Kao, Bo, Bao Pao, Senhor do Arroz, Coração Suave, Astúcia Cinzenta, Suave Golfinho, Mestre Ming, Ningzong, Xu e a nushi Íris Azul), que é justificado na Nota de Autor que consta no final da obra, onde também disserta sobre o que é um romance histórico. O livro termina com um pequeno glossário e uma resenha biográfica do “verdadeiro” Song Cí.

Antonio Garrido através de uma leitura simples leva-nos a tentar compreender como as pessoas viviam nessa época, como se comportavam, como se vestiam, o que comiam, recheando assim a narrativa com dados que trazem realismo à acção. Consegue prender o leitor com tanta força que é difícil largar o livro antes de chegar a ultima página, o que facilitou a leitura compulsiva destas 500 páginas em 5 dias, sempre com os sentidos pregados ao livro. Fascinante!

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Ricardo Adolfo – Mizé - Antes Galdéria do que Normal e Remediada


E se de repente a sua esposa, com quem está casado há quatro anos, aparecesse a protagonizar um filme porno que alugou no clube de vídeo do seu bairro para ver em conjunto com os seus melhores amigos? Este é o tema desta obra de Ricardo Afonso, agradável e divertida, mas sem grandes pretensões literárias.

Mizé é uma mulher com uma insatisfação material gigantesca e para quem as pessoas “dividem-se entre aquelas que faziam pela vida e as outras que deixavam que a vida fizesse por elas” e que antes de casar “deixou óptimas recordações em vários bancos de trás” (aliás foi nesse local que lhe foi feito o pedido de casamento após uma sessão de sexo). Enquanto não concretiza o seu sonho de ser uma famosa vedeta internacional (e de aumentar o tamanho das suas mamas), torna-se cabeleireira e casa-se com Palha, um ingénuo vendedor de batatas fritas que sonhava ter a mulher mais atraente do mundo. Quando Palha descobre o tal filme porno, no livro designado por “filme de putas”, parte numa busca ao mundo da pornografia para saber toda a verdade obscura do passado da sua mulher. Cheio de dúvidas e com problemas no emprego e no seu grupo de amigos, Palha vê lentamente a vida que conhecia desmoronar-se.

Apesar do prazer obtido com a leitura muito bem escrita desta sátira à classe baixa portuguesa, e da excelente capa da fotógrafa Ellen von Unwerth (que me fez recordar a capa do álbum de 1998 dos Pulp – “This is Hardcore”), não apreciei particularmente algumas incoerências gramaticais e o calão excessivo.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014


Agora que o Dexter se reformou, o Brody foi enforcado pelos iranianos e os zombies e a fantasia de Westeros foram de férias, estou a seguir três novas séries que já me conquistaram: Under The Dome, Suits e The Following.

Under The Dome” reúne ficção científica e mistério, é baseada no livro homónimo do mestre Stephen King, recentemente editado em Portugal. A série acompanha a história dos habitantes da pequena cidade de Chester's Mill, no estado do Maine, que inexplicavelmente se vê sob uma cúpula enorme e transparente, mantendo a população separada do resto do planeta. O terror vivido nesta povoação isolada do mundo inclui mortes macabras servidas a sangue frio e fenómenos inexplicáveis. Mike Vogel, Rachel Lefevre e Dean Norris (conhecido de Breaking Bad), são os actores que mais se destacam.

Suits” acompanha dois jovens advogados que resolvem vários casos jurídicos com algum humor sarcástico. Harvey Specter (Gabriel Macht) é o advogado de sucesso (best closer de Nova Iorque), arrogante, ambicioso, mentiroso, astuto e insensível; Mike Ross (Patrick J. Adams) é o jovem contratado no primeiro episódio (de forma hilariante), genial, esforçado e com memória fotográfica. Estas personalidades distintas dão força à trama, que se desenvolve em torno de intrigantes casos jurídicos. Duas curiosidades: o nome da série deve-se ao facto de Specter considerar que a comunicação interpessoal varia consoante a forma como estamos vestidos e… Ross não tem qualquer licenciatura em Direito.

The Following” é um thriller policial com muito suspense que se baseia na complexa relação entre o serial killer maquiavélico Joe Carroll (James Purefoy) e o ex-agente do FBI Ryan Hardy (o sempre espectacular Kevin Bacon). Carroll inspira-se nas obras de Edgar Allan Poe (o que me obrigou a reler os seus Contos Completos) e parece ter aprendido com Michael Scofield a arte da fuga de prisões e Hardy é chamado para o tentar encontrar, pois conhece-o melhor que ninguém, tanto a nível psicológico como intelectual. Harry tinha-se reformado após capturar Carroll, por ter assassinado 14 alunas na universidade onde ensinava literatura. O problema é que após a fuga de Carroll, Hardy compreende que não está só à procura de um fugitivo mas de um culto maciço de serial killers criados e manipulados pelo assassino durante a sua estadia na prisão, criando assim uma legião de seguidores.